Neuroestética: O Encontro da Ciência com a Arte da Fotografia
*Todos os créditos estão devidamente citados ao final do post. All the credits given in the end of the post.
Arte é algo que nós todos gostamos de uma maneira ou de outra. Nós consideramos a arte como um assunto subjetivo, mas pode haver um ângulo objetivo do qual podemos observá-la. É possível até que a arte não seja subjetiva de forma alguma?
Neuroestética é uma abordagem científica da arte sobre a forma como ela é produzida e consumida, e isto nos dá uma base para entender o que faz da arte… arte!
A descrição está no nome. A palavra inicial “Neuro-” vem do grego e está relacionada a sistema nervoso, que tem suas raízes em nosso cérebro. “Estética” também é uma palavra derivada do grego e está intimamente relacionada aos atos de “Perceber ou Sentir”. Então, nós podemos inferir que esta ciência da Neuroestética lida diretamente com a forma como nosso cérebro percebe e sente os sinais que está recebendo. Esta abordagem pode se referir ao que é percebido por qualquer um dos nossos 5 sentidos e pode até mesmo ultrapassar o que está imediatamente presente e depender de experiências passadas ligadas ao indivíduo.
Como reagimos a diferentes estímulos define a “arte”. As cores, formas e sensações de movimento interagem com nossos cérebros de formas tão singulares a ponto de nos fazer sentir algo. Este ‘algo’ que sentimos é o que a Neuroestética tenta explicar. A arte segue um conjunto de regras? O que faz os seres humanos sentirem algo sobre a arte? E, ainda mais importante, por que a arte faz com que nos sintamos desta forma? De onde vem estes sentimentos?
Como este Tema é Estudado?
Embora a Neuroestética seja um campo de estudo relativamente recente, sendo completamente definida em 2002, há uma combinação de vários campos que a precedem e que estabeleceram as fundações para que ela pudesse se desenvolver. O estudo da Neuroestética usa a anatomia funcional do cérebro em conjunto com um entendimento da psicologia para entender como estes fatores trabalham lado a lado com a percepção humana da arte e também como isso impacta cada indivíduo. Esta ciência também se utiliza de uma perspectiva histórica, com biologia evolucionária, para entender de onde viemos e indo até o ponto em que estamos hoje em relação à arte. Isso é o que nos liga aos registros em cavernas que nossos ancestrais desenharam há milhares de anos. A Neuroestética busca entender por que eles faziam estes desenhos e como estes registros demonstram suas relações com a arte, expressada nas paredes daquelas cavernas e conectada às suas vidas em si.
O cérebro tem um impacto direto em como criamos e interpretamos arte. Há diferentes áreas do cérebro às quais atividades específicas estão relacionadas. Estas ligações puderam ser estudadas e correlacionadas com o fato destas áreas cerebrais estarem ativas ou com baixa atividade quando expostas a obras de arte. Talvez haja uma diferença em como artistas interagem com a arte, já que o fazem de forma mais ativa. Há também uma forma de abordar o assunto que considera se somos mais ou menos ativos quando criamos obras de arte ou apenas as apreciamos, respectivamente. A resposta pode ser uma mistura de respostas sobre essa atividade das áreas cerebrais ou até mesmo depender do indivíduo em questão, e não há nada conclusivo ainda. Entretanto, é certamente interessante ver quais níveis de estímulo a exposição à arte pode criar em indivíduos sob várias circunstâncias.
A Ciência por Trás da Neuroestética
O cérebro age como um processador humano para as informações que nossos sentidos trazem e as reúne com aquilo que nossas experiências passadas nos dizem. É o local perfeito para iniciar uma abordagem científica à arte: de dentro (literalmente). Há muitas áreas do cérebro em que a Neuroestética pode focar, incluindo o Córtex Pré-Frontal, Córtex Orbito-Frontal (COF, em inglês), Lobo Frontal, Lobo Occipital Bilateral, Córtex Dorsolateral Pré-Frontal, e muitos outros. Cada uma delas tem sua participação específica no processamento de diferentes tipos de informação e influenciam diretamente nossa habilidade de perceber ou sentir ‘algo’ quando somos expostos a uma obra de arte.
A área do cérebro responsável pela nossa memória, tomada de decisões e percepção de objetos coloridos é o Córtex Pré-Frontal. Esta área tem, obviamente, uma maior influência em como interagimos com artes visuais e pode ter uma influência ainda maior do que pensamos. Ela pode ter um impacto em como nós, conscientemente, experienciamos estímulos estéticos, pois é a área em que nossas memórias e percepções de objetos coloridos se cruzam e potencialmente interagem entre si para influenciar a arte. Dado que esta região cerebral é onde nossos processos de tomadas de decisões são realizados, pode ser que nossas memórias, combinadas com os impactos visuais, influenciem nossas decisões artísticas.
Quando somos apresentados a alguma obra de arte que é esteticamente bonita, nós, inerentemente, temos algum tipo de reação. Belas imagens, entretanto, não configuram, necessariamente, ‘boa arte’, e pode haver uma explicação por trás disso. Quando o cérebro se depara com algo que ele considera esteticamente bonito, o Córtex Orbito-Frontal (COF) mostra uma quantidade considerável de atividade. Entretanto, essa não é a única ocasião em que o COF mostra intensa atividade. Quando uma descrição fornecendo contexto a uma obra de arte qualquer é dada, é também verificada atividade no COF. Portanto, a atividade ligada a essa área do sistema de recompensa cerebral mostra que tanto uma arte esteticamente bonita quanto a descrição em si do significado por trás de uma obra de arte qualquer, pode trazer atividade a este sistema.
Diferentes tipos de arte podem, também, ser relacionadas a seções específicas do cérebro. Enquanto artes claramente representativas podem causar atividade elevada em áreas como o Lobo Occipital, pois esta região é ligada a reconhecimento de objetos, memória e atenção, uma imagem mais abstrata pode produzir um mapa diferente de atividade cerebral, mostrando uma concentração maior no Giro Fusiforme Bilateral e no Sulco Cingulado Esquerdo. Todos estes dados levam a uma conclusão mais simples e interessante quando falamos de como nosso cérebro reconhece e processa a arte. Como Anjan Chatterjee declara em seu 'TEDMED talk’: “Nosso cérebro automaticamente responde à beleza através da conexão entre visão e prazer”. Você não precisa ficar pensando sobre o quanto algo é bonito para que seu cérebro reconheça isso.
Teorias Artísticas
Há uma grande importância colocada sobre a beleza no mundo em que vivemos. Há um desafio em definir o que é ‘beleza’ e como ela pode ser aplicada à ciência e às artes. Talvez, elas estejam inevitavelmente conectadas através de uma variável muito consistente: nós, as pessoas. A Neuroestética tenta clarear estas ‘águas turvas’ com evidência científica e teorias. Estas teorias, ao contrário das ‘regras’ artísticas, são mais objetivas do que subjetivas, pois elas se ligam a nossas conexões mentais internas. Vejamos algumas delas com a visão de mundo de um artista:
Aproximação da Média
Um experimento interessante conduzido nos anos 1800 por Sir Francis Galton estava originalmente focado em encontrar a “face do crime”. Ele utilizou projeções das médias dos traços de vários criminosos da época e o resultado não foi o que ele esperava. O rosto final encontrado era lindo! Esta é a idéia de que um sujeito com traços que se aproximam da média é geralmente mais atrativo do que aqueles com traços que divergem severamente do ‘meio’. Isto é chamado de “Hipótese da Média” e é fascinante!
Se isso é ou não aplicável ao horizonte da fotografia, permanece em aberto e carece de estudos com maior intensidade. Entretanto, podemos olhar para traços que são vistos como mais desejados versus aqueles que são mais rejeitados pela sociedade. Técnicas que levaram estes traços aos seus extremos, como fotografias utilizando HDR tone-mapping, tiveram resultados finais vistos como feios, enquanto aquelas com um efeito mais sutil, como máscaras de luminosidade, funcionaram bem.
As Oito Leis de Ramachandran sobre a Experiência Artística
Vilayanur S. Ramachandran e William Hirstein, com participação de algumas outras pessoas, criaram um conjunto de leis que eles acreditavam ditar a arte e publicaram este estudo em seu artigo entitulado “The Science of Art: A Neurological Theory of Aesthetic Experience”. Não vou entrar em detalhes sobre todas as ‘leis’ citadas em sua teoria, mas será interessante entrarmos em algumas para ver como elas se aplicam:
Simetria
É comum que a composição de uma imagem seja simétrica. Este fato se tornou ainda mais popular com aplicativos, como Instagram, que encorajam isso através do layout da tela em que a imagem é apresentada. É fácil entender de onde vem o apelo da simetria visual, já que existe uma evidência biológica de sua importância. A simetria é usada em nossos cérebros para reconhecer a adequação de um parceiro, enquanto a assimetria é relacionada subconscientemente a infecções e doenças. Esta evidência evolucionária mostra como podemos ligar as áreas cerebrais relacionadas ao prazer a algo artisticamente bonito e que seja simétrico. Isso é algo que vemos bastante na natureza, como nos reflexos na água, folhas, flocos de neve, flores, etc.
Mesmo que simetria esteja relacionada à beleza natural, isso não é uma verdade absoluta. Imagens assimétricas também podem ser bonitas em uma forma diferente, se baseando em outras emoções humanas existentes. Não há apenas um caminho definitivo para se atingir o auge da arte e das belas imagens. Simetria é apenas uma das muitas maneiras para ativar áreas cerebrais relacionadas à beleza e a combinação de várias teorias ajudará a explicar como alguns trabalhos artísticos funcionam (em despertar sentimentos) e outros não.
Na fotografia de paisagens, simetria pode não se resumir apenas à simetria óbvia, mas, também, a equilíbrio simétrico no peso visual ao longo da imagem. Isso pode ser feito equilibrando-se objetos, cores, luminosidade e/ou “humor” contidos na imagem.
Agrupamento
Há uma tendência natural que nós, humanos, temos de tentar encontrar grupos/padrões em um cenário caótico. A razão por trás disso é que nosso cérebro encoraja o comportamento de tentar descobrir objetos camuflados como um instinto de sobrevivência. Somos recompensados com doses de endorfina quando identificamos um padrão diante de um cenário ruidoso e confuso. O fato de nosso cérebro criar uma sensação prazerosa como recompensa à essa identificação de padrões mostra porque o agrupamento funciona como uma forma de criar arte que atrai interesse, de forma geral. Artes que são mais bem sucedidas em disparar essa reação costumam causar uma confusão inicial que ajudam, em seguida, a levar a uma sensação de recompensa, uma vez que o cérebro reconhece um padrão ou objeto familiar na imagem.
Isolamento e Contraste
Em um contraste drástico com a teoria do Agrupamento, nós podemos olhar para a arte que é completamente isenta de distração. Esta abordagem foca em um conjunto de características definidas da imagem que permitem ao espectador alocar mais tempo no sentido de apreciar a simplicidade da obra de arte em questão. Uma tela com fundo branco permite que a pessoa que está vendo a arte projete suas próprias emoções e sentimentos no trabalho, preenchendo as partes que o artista deixou em branco. Pense no exemplo de um desenho que parece ser melhor quando deixado em preto e branco do que quando é colorido.
Quando a arte é deixada muito simples em relação às cores e detalhes, o sistema límbico cerebral é amplificado e tem níveis mais intensos de atividade. Esta explicação científica ajuda a ilustrar como o movimento minimalista tem sido tão bem sucedido recentemente. Comparado a artes representativas e abstratas complexas, este movimento citado interage com os mecanismos de recompensa do cérebro em uma nova maneira de despertar as sensações humanas. A beleza disso é que este despertar das sensações, independente da forma como você se sinta em relação a este tipo de arte, será válido, desde que você sinta algo.
Similar ao conceito do Isolamento, o Contraste tenta mostrar claramente um objeto na peça artística. A abordagem, entretanto, é bastante diferente, porque, ao invés de focar em um elemento, esta técnica tenta mostrar severas mudanças em cores e luminosidade. Nossos cérebros encontram gradientes de tons em uma tela que são de difíceis detecção aos nossos olhos e, além disso, ao utilizarmos ângulos e bordas mais aguçadas, ajudamos nosso cérebro a se manter “ligado”. Manter nossa atenção é mais importante do que nunca e elementos contrastantes colocados em conjunto ajudam nesta questão.
Peak Shift Principle (Princípio do Deslocamento Máximo)
Esta teoria é baseada na ideia de que nossos cérebros podem reconhecer padrões e reagir a versões exageradas de características específicas. Se um artista escolhe enfatizar tamanho, escala, cor, etc, para comunicar algo ‘maior que a vida’, nós somos capazes de reconhecer isso e associar esta intenção em nossos cérebros com estímulos maiores correspondentes. Esta teoria foi, inclusive, estudada em animais capazes de reconhecer pequenas diferenças em traços característicos de objetos sendo que, depois de aprenderem sobre uma recompensa associada à interação com cada um desses objetos, eles vão reagir da mesma forma ao se depararem com versões exageradas dos mesmos.
Como artistas, é possível aplicar esta teoria através do uso de dodging/burning (técnicas de fotografia), lentes (no caso de fotógrafos), diferentes tipos de luz e misturas de técnicas distintas para comunicar uma mensagem específica. Isto criará um nível maior de atividade no cérebro que não seria óbvio para vários espectadores.
As Leis do Cérebro Visual de Semir Zeki
A ideia por trás desta teoria é que a arte é algo que mostra variabilidade no cérebro. Semir Zeki acredita que abordar o assunto na direção inversa, da arte em direção à ciência, para entender a ciência, ao invés de utilizar a ciência para entender a arte, vai nos ajudar a ter uma melhor noção do que realmente está acontecendo. Ao analisar as peças feitas por artistas, nós podemos ver como elas próprias afetam o cérebro. Ele usa duas teorias específicas para nos ajudar a entender nosso cérebro visual. São elas:
Constância —> Ideia de que nosso cérebro pode reconhecer e entender objetos contidos na arte por conta de nossas experiências externas.
Abstração —> Por outro lado, esta ideia nos diz que, devido a limitações de memória do nosso cérebro, ele cria uma necessidade de fazer inferências sobre coisas que podemos não entender completamente.
“…o artista é, de certo modo, um neurocientista, explorando os potenciais e capacidades do cérebro, embora o faça com ferramentas diferentes. Como estas criações podem despertar experiências estéticas, só pode ser completamente compreendido em termos neurais. Um entendimento deste tipo está, agora, ao nosso alcance.” – Semir Zeki
Concluindo
Nosso cérebro pode nos dizer muito sobre nós mesmos. Ele pode nos ensinar porque nos sentimos de certas maneiras em relação à arte e muitas destas condições acontecem inconscientemente enquanto apreciamos uma obra de arte. O cérebro humano trabalha em função de um mecanismo de recompensas que foi modelado para nos manter vivos, mas a arte pode ser usada como gatilho para que estes sistemas de recompensas nos façam sentir de certas maneiras específicas. O estudo sobre quais partes do cérebro reagem a diferentes formas de arte nos ajuda a compreender como pensamos e como entendemos o mundo ao nosso redor.
A arte, em nosso mundo, pode também nos dizer muito sobre como nosso cérebro funciona. Talvez, os maiores artistas de todos os tempos tenham entendido como nosso cérebro funciona e tenham criado suas obras de arte para impactar nossos cérebros humanos, nos manipulando a, naturalmente, atribuirmos valor inerente às suas peças, porque isso força a criação de sinapses neurológicas das quais gostamos. É quase como se eles estivessem fabricando uma droga natural feita para nos fazer sentir de certas maneiras específicas baseadas em traços evolucionários pré-existentes. De qualquer maneira, a Neuroestética desempenha um importante papel ao explicar a relação entre seu cérebro e a arte.
É assim que a ciência se encontra com a arte. Um cientista pode mostrar a você um relógio redondo e outro quadrado. É mais provável que você vá gostar mais do relógio redondo, e tudo bem sobre isso. Mas por que isso importa? Explorar o “porquê” por trás de nosso comportamento é importante, pois isso ajuda a explicar como nosso cérebro reage a diferentes estímulos ao nosso redor, incluindo (e, talvez, o mais importante de todos) a arte.
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Sobre o Autor: Kyle Kephart é um fotógrafo entusiasta, Eagle Scout, piloto, cross country runner, e viajante morando in Tualatin, Oregon. As opiniões expressadas neste artigo são de sua inteira responsabilidade. Você pode encontrar o trabalho de Kephart nos seguintes locais: website, Facebook, Twitter e Instagram. Este artigo também foi publicado aqui.
Créditos das Imagens: Ilustração do cabeçalho baseada na graphic by the US Army. Demais fotos artísticas por Kyle Kephart.
Tradução Livre: Rafael Cardoso
Link da Matéria Original (em inglês): https://petapixel.com/2018/10/11/neuroaesthetics-where-science-meets-the-art-of-photography/
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Equipe Snapcomm